MULHER E MEIO AMBIENTE
Mesmo que a questão da desigualdade entre homens e mulheres tenha sido publicamente colocada como tema de debate e de luta desde o século XIX e apesar de se observar uma maior participação da mulher no espaço público nas últimas décadas em redutos antes reservados ao sexo masculino, a aplicação dos direitos femininos está aquém do desejado, podendo-se até pensar na ocorrência de um certo retrocesso, em determinadas áreas.
Um estudo do AGENDA(2002) mostrou, por exemplo, que na esfera da gestão ambiental, a inclusão de gênero ocorre de forma tímida e esporádica.
Ao rever alguns trabalhos sobre a questão de gênero, comecei a me perguntar até que ponto existem diferenças, tanto nos papéis sociais de cada sexo quanto no que diz respeito à degradação do meio ambiente e os efeitos desta degradação no quotidiano dos homens e das mulheres.
Esta rápida releitura me levou à conclusão de que existem sim diferenças nesta relação de gênero e meio ambiente, desfavorável ao sexo feminino, até pela sua própria condição de SUBORDINAÇÃO na esfera sociofamiliar.
É evidente que, dentro desta afirmação, temos que considerar uma série de variáveis como: gênero e classe social; etnia; cor da pele; religião; nível de escolaridade, enfim a influência cultural própria à cada sociedade.
A partir daí comecei a levantar uma série de questões aqui colocadas, com o intuito de colaborar na reflexão e no debate sobre o tema.
No isolamento social do trabalho doméstico NÃO REMUNERADO trabalho, aliás, necessário à reprodução social, como a mulher degrada e sofre os efeitos desta degradação ambiental? Há diferença nesta relação com ambiente considerando as diferenças de gênero? Se dividirmos o espaço físico de vivência entre o urbano e o rural, onde se dá a maior degradação do ambiente e, da mesma forma, onde os efeitos serão mais sentidos pela mulher? Há uma sobrecarga do trabalho feminino maior no mundo rural?
Pelo fato de as mulheres serem diretamente responsáveis pelo bem-estar da família e em especial as mulheres pobres, a pressão diária pela sobrevivência recai com mais força sobre elas. Logo, aqui já se nota o entrelaçamento entre gênero e classe social. Se aprofundarmos um pouco mais a análise, acrescentaremos um terceiro elemento a esta relação: o ambiente.
Nos países pobres quem “bota a lata d’água na cabeça” são, em geral, as mulheres. São elas responsáveis também pela coleta e elaboração de alimentos, preocupando-se com a segurança alimentar da família. Da mesma forma, a higiene e a saúde da família ficam à cargo delas. Isto significa que as questões ligadas à precariedade da infraestrutura atingem em cheio o trabalho feminino.
No espaço público, concentram-se no setor informal e nas profissões de menos prestígio, com salários inferiores aos dos homens. Não podemos deixar de falar também na dupla ou até tripla jornada de trabalho da mulher, quer seja no âmbito rural ou no urbano.
Um estudo da Red Internacional de Género y Comercio mostrou como os ajustes provocados pelas políticas da OMC, impostas pelas IFIS, têm reforçado o papel marginal das mulheres e dos grupos mais vulneráveis, trazendo impactos negativos no cotidiano das pessoas e do meio ambiente.
Para demonstrar isto, basta pegar o caso das privatizações: ao impedir o acesso universal aos serviços básicos, aumenta a exploração do trabalho da mulher em geral, – como nos setores de produção para exportação, bem como no âmbito das tarefas domésticas cotidianas, exigindo maior esforço da dona-de-casa para o mesmo resultado.
Sobre a relação Gênero x Consumo, inicialmente temos de começar pelas diferenças entre os sexos na questão do trabalho, voltando ao que foi dito anteriormente: concentram-se as mulheres nos setores menos estruturados e nas profissões menos valorizadas; ganham menos que os homens; desenvolvem mais de uma jornada de trabalho.
Isto interfere diretamente no consumo de produtos e de serviços, muitas vezes não tendo acesso ao mercado, no caso das mulheres pobres. Mesmo considerando as diferenças de classe social, a mulher é o maior segmento consumidor (observação empírica), tanto para ela quanto para a família.
Não é por nada que o MERCADO, reconhecendo isto, tem todo um marketing diferenciado para este segmento.
Tratando-se de mulheres de classes abastadas, perguntamos: há alguma preocupação com o tipo de produto que consome? Sendo rica ou sendo pobre, há alguma preocupação em reduzir o desperdício (e/ou o consumo) da água, do gás, da eletricidade, etc? Nas áreas de escassez, naturalmente há este cuidado.
Mas, se a mulher é pobre, como e onde busca o suprimento para a família? Um estudo do ISIS Internacional, de 1993, mostrou claramente a relação entre POBREZA E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL, dizendo que: aumentou o número de famílias pobres na América Latina e, junto a isto, aumentou o número de famílias cujo chefe é a mulher (20% das famílias pobres na América Latina são chefiadas por mulheres e 80% da população vive em área onde a destruição ecológica ameaça a qualidade de vida).
Responsável pelo bem-estar cotidiano da família, a mulher pobre sob essa pressão tem que tirar o sustento da prole de algum lugar, degrade ou não o meio ambiente. Em outras palavras: devido às tradicionais LIMITAÇÕES econômicas e socioculturais que afetam as mulheres, elas, assim como os pobres em geral, adotam estratégias de sobrevivências que levam à degradação ambiental. Logo, existe uma relação, também, entre este tipo de família e a degradação do meio ambiente.
Outro exemplo utilizado pelo mesmo estudo é sobre a contaminação dos mananciais pelos agrotóxicos forçando a busca da água cada vez mais distante da moradia, bem como a questão da devastação florestal, obrigando as mulheres a se adentrar cada vez mais em busca da lenha para o uso doméstico. Nota-se aqui também as diferenças regionais nos níveis de desenvolvimento e na sua relação com a questão gênero.
Há ainda uma outra questão a ser abordada: a explosão populacional e a miséria. Alguns pensam que o esgotamento dos recursos naturais é devido ao crescimento acelerado e até desordenado da população.
As feministas recusam esta tese lembrando o modelo de desenvolvimento depredador e socialmente injusto. Nós perguntamos: a mulher enquanto matriz geradora é sozinha responsável pela explosão demográfica e pela miséria que cresce assustadoramente? Por outro lado, quem educa os filhos dentro dos PADRÕES ATUAIS DE CONSUMO, inclusive dentro dos padrões de beleza que alimentam a indústria da moda e dos cosméticos?
E, por fim, algumas indagações sobre a guerra: qual a relação que existe entre a guerra e gênero? Quem faz a guerra, os homens ou as mulheres? A indústria bélica, destruidora da VIDA do planeta, está nas mãos dos homens.
Mas, as mulheres rebelam-se contra o envio de seus filhos para a guerra? As mulheres não fazem a guerra por que não estão no poder ou por que historicamente não foram educadas para isto? Ou é também uma questão de força física, no caso de uma análise do processo histórico da guerra?
A democracia grega era uma democracia de COMBATENTES e as mulheres não eram consideradas como tal. No entanto, através da história vê-se que elas eram o BOTIM de guerra dos homens. Eu prefiro acreditar que a mulher não faz a guerra porque é a MATRIZ DA VIDA.
Não é por nada que o feminismo surge junto com outras duas importantes tendências da história da humanidade: o PACIFISMO e o SOCIALISMO, havendo tudo a ver com a preservação da vida e logo, com o AMBIENTALISMO.
Maria da Conceição de Araújo Carrion
Professora/Ativista do NAT/Brasil